quarta-feira, 15 de junho de 2011

DESIGNpress #3 (recortes de imprensa sobre design): AS CAPAS DA COLECÇÃO 'UMA AVENTURA'


Público, revista Pública, 12 Junho 2011

o design nosso de cada dia

CAPAS DA COLECÇÃO 'UMA AVENTURA'

Texto Frederico Duarte

Não é preciso ter andado na escola preparatória (como a que e vê na capa acima) ou vivido só com quatro canais para reconhecer que a colecção de livros Uma Aventura é um dos mais bem-sucedidos casos de design português.

Tal como os leitores da sua primeira aventura, Pedro, Chico, João, Teresa e Luísa eram crianças dos anos 1980. Os intrépidos personagens criados por Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada viviam num tempo e num país diferente do nosso.

Mas se os primeiros leitores de Uma Aventura cresceram ao longo de quase três décadas, os livros não deixaram de ser lidos.

Cinquenta e três volumes, dezenas de edições e 7,5 milhões vendidos comprovam a sua popularidade junto de várias gerações. Que além dos livros conhecem as suas capas, mesmo não conhecendo o seu designer.

José Serrão chega à Editorial Caminho poucos anos depois de, ainda antes do 25 de Abril, ter feito parte da UEC (União dos Estudantes Comunistas) quando estudava Arquitectura na então Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa (actual FBAUL). Em 1982, faz, entre outros trabalhos, a capa para a primeira edição de Memorial do Convento, de José Saramago, definindo a austera e singular linha gráfica das restantes obras do Nobel português. Também em 1982,0 histórico editor da caminho Zeferino Coelho pede-lhe "a grelha" para uma colecção, "à maneira d'Os Cinco, mas adaptada ao quotidiano português da altura", que "duas professoras do ciclo" acabavam de lhe propor. Inspirado pelos expressivos títulos caligráficos de livros soviéticos que a Caminho então traduzia e publicava, Serrão começa por desenhar, "numa folha de papel couché, com caneta Rotring e pistolet", o logótipo Uma Aventura.

A seguir vem a capa. Sobre um fundo de cor plana, mais de metade é uma ilustração de Arlindo Fagundes - o prolífero realizador, ceramista e autor de BD que Serrão convida para ilustrar capas e miolo dos livros. o topo, ao logótipo da colecção somam-se o título e nomes dos autores em Futura Script, tipo de letra "decalcado à unha em letras Mecanorma" (uma referência do design gráfico tão anos 1980 quanto os discos de Ana Faria). Em baixo, o logótipo da editora, cuja versão actual criado por Henrique Cayatte (que esteve na Caminho na altura em que Serrão sai, entre 1984 e 1990) só surge mais tarde. A lombada, de cor diferente da capa, contém os logótipos da colecção e da editora, título e número do volume impresso desde 1987 a preto dentro de caixa amarela. Com fundo igual à capa, a contracapa tem os retratos dos cinco heróis (e seus cães caracol e Faial) e uma ilustração alusiva ao volume seguínte.

Projectadas para uma colecção que não pára de crescer (entre 1983 e 1985 saíram quatro livros por ano), estas capas descomplicadas e coloridas eram também, diz Serrão, "verdadeiras peças de combate para uma estrutura sem capacidade de investimento". O seu design, fácil de (re)produzir e adaptar, rentabilizava fotolitos e outrosdispositivos gráficos, baixando custos de impressão - e o preço de cada livro.

Para Sofia Bernardo, hoje a responsável editorial pela colecção na Caminho, a adequação do design ao propósito destes livros é o principal motivo do seu sucesso e longevidade. Escritos como "literatura que fosse acessível a todos", continuam a ser livros de formato e produção barato , "que qualquer miúdo pode começar a ler".

Em 30 anos, muito mudou nos livros em Portugal. Em 2008, a Caminho foi integrada no grupo editorial Leya e uma estratégia de marketing levou ao redesenho de muitas das suas colecções, como as de Saramago ou Alice Vieira. Mas não de Uma Aventura; além de renovados retratos dos heróis, a contracapa de cada novo livro tem só mais um logótipo.

Para satisfação de Serrão (que deixa a editora em 2008), o design da colecção tornou-se tão reconhecível e querido que já ninguém se arrisca a mexer-lhe.

Estarão estes livros entre os mais elevados exemplos de design gráfico português? Não.

Mas enquanto veículos para as aventuras que acompanham tantos miúdos portugueses no seu caminho para a idade adulta, não poderiamos pedir melhor. Nem nos anos 1980, nem agora.

 

__________________________________________________________

Imagens da responsabilidade de Design & Grafismos
__________________________________________________________

Sem comentários:

Enviar um comentário